Crônica de verão

Vitor Dornelles
5 min readMar 11, 2023

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Vitor Dornelles + DALL-E

Os dois zípers da mochila da minha filha de 11 anos arrebentaram na hora de ir para a escola. Emprestei uma mochila minha (ela odiou) e fui procurar um lugar para consertar a dela. Achei um lugar na vizinhança. Ótimos reviews, dois quilômetros de distância. Dava para ir a pé.

Cheguei lá, o cara me disse:

— Olha, conserto sim. Mas só fica pronto no final da semana que vem (era quarta-feira). Se você estiver com pressa, tem a dona Maria.

— E onde ela fica?

ENTERS DONA MARIA.

Na mesma galeria, numa minúscula salinha, sentada numa mesa com máquina de costura e rodeada de apetrechos e coisas esperando conserto, com uma Bíblia meio desgastada pousada numa estante, estava dona Maria. Ela examinou a mochila.

— Fica pronta sexta à tarde. 40 reais.

Vitor Dornelles + Stable Diffusion

Achei o preço e o prazo justos. Sexta à tarde chegou e parti para os meus dois quilômetros de caminhada. Chegando lá, dona Maria me olhou com uma cara de WHO THE FUCK ARE YOU.

— Vim pegar a mochila. A preta, que tem um bichinho (era o Totoro, mas duvido que dona Maria conhecesse animação japonesa)

Vitor Dornelles + DALL-E

Alguma lembrança pareceu acender em dona Maria.

— Ah, sabe o que é, eu fiquei sem minha agulha plemps (não lembro que agulha) e só vou conseguir entregar amanhã. Passa aqui entre 10h e 12h.

Pô, dona Maria.

Mas ok, voltei para casa a pé de novo, dois quilômetros de caminhada. Sem a mochila.

Daí no dia seguinte eu não estava a fim de andar quatro quilômetros (ida e volta) de novo, não. Pensei: acho que vou usar uma daquelas bicicletas de alugar.

Oh, boy.

Antes de sair de casa escolhi meu plano e li o passo a passo do que fazer. Tudo preparado pra chegar lá e só tirar a bicicleta. Parecia fácil. Conferi tudo na hora de pegar a bicicleta, menos uma coisa crucial: os pneus. E claro que o da minha estava furado. Para piorar, não conseguia devolvê-la.

Por sorte, tinha um cara mais experiente que eu que me ajudou, pois até o mecanismo de devolução da bicicleta estava com defeito. Depois de muitas tentativas, conseguimos. Enfim peguei outra e comprovei na hora o que sempre dizem: você nunca esquece como andar de bicicleta. Isso porque eu realmente NÃO ME LEMBRAVA da última vez que andei de bicicleta. Só sei que foi há muitos anos. Ainda bem que o que sempre dizem estava certo, caso contrário eu ia descobrir da pior forma que não sabia mais andar em duas rodas: me esborrachando no meio da rua.

Decidi fazer o trajeto mais reto, que neste caso não passava por quase nenhuma ciclovia, era pela rua mesmo, e uma BEM movimentada. Talvez não tenha sido a melhor ideia. Primeiro por causa do asfalto, que se já é ruim pros carros, é pior ainda para bicicletas. E depois porque SÓ TEM FILHO DA PUTA NESTA CIDADE. A maioria dos motoristas está cagando para as bicicletas, e se você não tomar cuidado acaba derrubado ou atropelado sem dó. Isso é ainda mais verdade no caso dos ônibus. Eu, quando estou dirigindo meu carro, tomo muito cuidado. Mas sou exceção.

Vitor Dornelles + DALL-E

Além disso, eu estava preocupado em ser um BOM CICLISTA, e não fazer o que eu sempre critico nos outros. Logo, não andei na contramão e também parei em todos os sinais, tomando sempre cuidado com os pedestres. Nessa parte até que fui bem, mas os carros tentando me matar deixaram tudo meio tenso.

No final do trajeto, cheguei numa ciclovia na calçada compartilhada com pedestres. A situação não ficou muito melhor, não, pois ela era também compartilhada com: mesas de bar, carros subindo na calçada, pessoas paradas olhando pro céu. Enfim. Dirigir veículos é foda.

Consegui devolver a bicicleta facilmente. Graças ao perrengue inicial e ao cara que tinha me ajudado eu já tinha alguma experiência. Andei alguns metros até a dona Maria. Chegando lá, sou mais uma vez recebido pela cara de WHO THE FUCK ARE YOU. “Ah, pronto”, pensei.

— Desculpa, meu filho

Ah, não, dona Maria. Não fode.

— A mochila tava aqui na mesa, mas caiu no chão e eu não vi. Mas tá prontinha!

Ufa.

— Como é que tá o tempo lá fora?

Talvez ela tenha perguntado isso porque eu estava suando em bicas? Provavelmente.

— Tá bem quente, viu, respondi.

Enfim eu tinha a mochila. Agora era hora de voltar. Peguei mais uma vez uma bicicleta, mas decidi ir pela ciclovia compartilhada, que me levava por um trajeto maior, porém em tese mais “seguro”. E, de fato, foi tudo bem até eu ter que passar pela PASSAGEM SUBTERRÂNEA.

Vitor Dornelles + DALL-E

Aconteceu alguma coisa? Não. Mas a passagem subterrânea é tão SINISTRA e a sensação de iminência do seu ASSASSINATO é tão forte, que não dá para culpar quem resolve atravessar a pista por cima, na avenida de alta-velocidade. Alô, Eduardo Paes, resolva isso por favor.

Deixei a bicicleta num ponto que não tinha nenhuma, a minha ia ser a única disponível a partir daquele momento. Quando eu estava indo embora, um cara me interpelou “Ô, amigão!”. Eu sou calejado de Rio de Janeiro e não respondo ninguém, pra mim tudo é assalto (já caí nessa antes). Mas enquanto eu me afastava, ele gritou “A bicicleta tá boa??”, ao que eu respondi sem me virar “Tá sim!”. Acho que agora faço parte de um clube.

Conclusão: bicicleta é legal, o Rio de Janeiro é que estraga.

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