Leslie Feist no Circo Voador (RJ) em 2012. Foto: Vitor Dornelles

Feist no Rio: grande show, pequenos momentos

Vitor Dornelles
5 min readAug 17, 2020

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Publicado originalmente em outubro de 2012 no (agora extinto) site LineUp Brasil

Havia uma tensão palpável no show do Kings of Convenience, quase um ano atrás, no Circo Voador. Ninguém sabia se Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe iriam se irritar com os ruídos da plateia, como acontecera na apresentação de São Paulo, dois dias antes. Não por acaso, houve um certo alívio quando os noruegueses se mostraram simpáticos e começaram a conversar com o público. Em determinado momento, ao se lembrar do modelo de crowdfunding do Queremos, que era o responsável pela realização daquele show, Erlend deu uma sugestão aos Cariocas Empolgados presentes: “Vocês deviam trazer a Feist”.

Erlend pode ser ranzinza e até mesmo chato, mas ele estava absolutamente certo. Nós devíamos trazer a Feist. Por que demoramos tanto, afinal? Feist devia estar fazendo shows aqui todo ano, batendo ponto sempre que possível no nosso país tropical. Por sorte, começamos a remediar esta situação no dia 24 de outubro do ano corrente. Resta saber quando poderemos agendar as próximas datas.

Visão geral do palco no show da Feist, no Rio. Foto: Vitor Dornelles.

A julgar por esta introdução, você já percebeu que eu gostei do show. Sim, foi um ótimo show. Diria até excelente. E uma das coisas que faz um show excelente é quando ele joga uma nova luz sobre um disco para o qual você não dá muita bola. Nunca prestei muita atenção no “Metals”, álbum que compôs boa parte do repertório da performance. Mas depois das mais de 2 horas que passei assistindo à genuína empolgação e ao vigor com que a canadense de Nova Scotia defende aquelas canções, voltei para casa com vontade de ouvir com mais atenção músicas que passaram batido por mim. Um grande show é assim: pode fazer você se sentir meio idiota.

O trio Mountain Man, responsável pelos backing vocals. Foto: Vitor Dornelles

Porém, só isso não bastaria para fazê-lo valer. Não que seja um problema para Leslie Feist. Simpaticíssima e acompanhada por 6 músicos — incluindo 3 backing vocals que formam o conjunto Mountain Man — Feist fez um apresentação dinâmica, indo da guitarra barulhenta ao violão dedilhado, numa montanha-russa sonora capaz de desarmar o mais implicante dos seres humanos. Tudo isso entremeado por pequenos momentos inesquecíveis.

Feist em diversos momentos de sua apresentação. Fotos: Vitor Dornelles

Ou alguém que estava no Circo vai conseguir se esquecer do momento em que Feist interrompeu o show para ligar para Kevin Drew, do Broken Social Scene? Um ano antes, Kevin se apresentara naquele mesmo palco para o último show da sua banda, e agora Feist telefonava para dizer que muitos dos que estavam ali para vê-la tinham também assistido à histórica apresentação do BSS. Botando o celular no microfone, Feist deixou que escutássemos Kevin pedindo que ela tocasse “I Feel It All”. Como a banda tinha acabado de tocar esta música, decidiu homenagear Kevin com “Lover’s Spit” do próprio Broken Social Scene. Por aí dá para perceber que não é só de música que se faz um show da Feist.

Feist telefona para Kevin Drew, do Broken Social Scene, no meio do show. Vídeo: Vitor Dornelles

Mas, ah, a música. Neste quesito, Feist reina soberana. Dona de uma das melhores vozes que surgiram nos últimos anos, ela mostra como a experiência de um show pode — aliás, deve — ser radicalmente diferente de ouvir CD ou mp3. Seja nas versões mais pungentes das músicas do “Metals” — como “A Commotion”, a já mencionada “I Feel it All” e “The Bad In Each Other”, esta um dos pontos altos da noite — como na ousadia de subverter “Mushaboom”, um dos seus maiores sucessos. O apoio das cantoras do trio Mountain Man também é responsável por alguns dos melhores momentos da apresentação, como no interlúdio em que elas interpretam, sozinhas, duas faixas do seu disco de estreia, ou quando cantam “Cicadas and Gulls” com Feist acompanhada somente por um violão. Uma coisa de dar frio na espinha.

Feist e sua banda tocam o hit “Mushaboom”. Vídeo: Vitor Dornelles

Talvez por ser o último show da turnê, Feist foi generosa com o público carioca e tocou 23 músicas no total, com direito até a segundo bis. “Imaginem que nós estamos no banheiro e eu vou cantar esta música enquanto você toma banho”, disse a canadense antes de “Secret Heart”, cover de uma música do Ron Sexsmith e penúltima da apresentação. Os presentes se animam, mas Feist completa: “A cortina do box está fechada… mas talvez eu dê uma espiadinha”. Se a platéia já não estivesse ganha há muito tempo, esse teria sido o golpe fatal.

“My Moon My Man” também fez parte do setlist. Vídeo: Vitor Dornelles

É por esse tipo de coisa que não consigo imaginar os fãs que pediram “1, 2, 3, 4” com insistência durante toda a noite, inclusive antes da última música, ficando chateados com a recusa simpática da canadense em tocá-la. Feist sabe o que faz e, para o encerramento, preferiu a bela “Intuition”, acompanhada apenas da guitarra. Como se a nos desejar bons sonhos naquela madrugada que se iniciava. Que volte muitas vezes.

A canadense Leslie Feist, em close. Foto: Vitor Dornelles

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