Nicolaas, Daniel e Józef
Recebi um e-mail do familysearch.org a respeito de Nicolaas Straatmeijer, que vem a ser o bisavô do meu bisavô (também conhecido como meu pentavô) e que era operador de moinho, provavelmente a profissão mais clichê que um antepassado holandês pode ter. Não me lembro qual era o assunto do e-mail, mas achei curioso que Nicolaas nasceu no dia do aniversário do meu pai, porém 140 anos antes. Meu pentavô veio ao mundo em 1809, e a curiosidade me levou à Wikipedia para saber mais a respeito desse ano distante.
Como vocês podem imaginar, as Guerras Napoleônicas estavam a todo vapor. Não à toa, a família real portuguesa mudou-se para o Brasil um ano antes, fugindo justamente delas. O ano inteiro foi basicamente dominado por batalhas e mais batalhas envolvendo o exército francês. Fora isso, em 1809 Robert Fulton também patenteou o barco a vapor, para vocês terem idéia de quanto tempo passou desde então (223 anos agora em 2022)
Mas o mais interessante são os nascimentos deste ano. Muita gente famosa foi bebê ao mesmo tempo que meu humilde pentavô, um mero operador de moinho no sul da Holanda: Louis Braile, Edgar Allan Poe, Abraham Lincoln, Charles Darwin (esses dois nascidos no mesmíssimo dia!), Nikolai Gogol (meu pentavô é um pouquinho mais novo do que todos os citados). O próximo passo foi descobrir quem morreu naquele ano. Foi assim que eu descobri a existência de Daniel Lambert, que é descrito como “English gaol keeper and animal breeder, famous for his unusually large size”.
Lambert era uma figura fascinante. Embora tenha chegado a pesar 335 kg, era atlético e muito forte. Diz a lenda que ele chegou a nocautear um urso para salvar a vida de um dos seus cachorros. Ele também podia nadar levando dois adultos nas costas. Nascido em Leicester em 1770, ele era famoso não apenas por seu peso fora do comum, mas por ser também um gaol keeper (espécie de carcereiro das antigas) muito gente boa, que tratava super bem os presos da sua gaol. Porém, após fecharem a antiga prisão, Lambert se viu na miséria.
A história tinha tudo para acabar mal. Lambert não tinha dinheiro e passou a viver recluso. Porém, um dia teve uma idéia, a qual provavelmente só funcionaria no início do século XIX: mudou-se para Londres e transformou a si mesmo numa atração, cobrando ingresso de quem queria conhecê-lo. Ele ficava disponível 5 horas por dia na sua própria casa, e gostava de conversar com os visitantes sobre seus temas favoritos: esportes e criação de animais. Logo virou moda entre os ricos de Londres visitar Lambert, que chegou a atrair 400 pessoas por dia em sua residência. Pessoas vinham de muito longe para ouvir suas histórias e conselhos a respeito de criação de animais. Lambert era um influencer muito antes de inventarem a expressão. Eventualmente, ele chegou a conhecer até mesmo o rei da Inglaterra, George III.
A inusitada estratégia de Daniel Lambert deu certo, e ele ficou rico. Curiosamente, ele não é o único caso de “aberração” (embora houvesse muito menos estigma em relação à obesidade do que hoje) a ganhar muito dinheiro na época. Havia também o anão Józef Boruwłaski. Lambert e Boruwłaski — que tinha apenas 99 cm — chegaram inclusive a se conhecer, num evento incrivelmente popular e noticiado em toda Inglaterra. Boruwłaski era polonês e músico talentoso, o que fez com que fosse “adotado” pela corte polonesa (e feito fortuna exibindo a si mesmo).
Outra coisa curiosa a respeito de Józef Boruwłaski é que ele viveu até prodigiosos 98 anos. Lambert, porém, não teve a mesma sorte. Depois de ganhar muito dinheiro com as visitas, ele começou a se irritar com as perguntas de sempre a respeito de suas roupas e voltou a Leicester. Em sua cidade natal, tornou a se dedicar à criação animais e à participação em rinhas de galo (início do século XIX, dêem um desconto). Tudo parecia ir bem, até que, com apenas 39 anos, Lambert morreu subitamente de causa desconhecida.
Daniel Lambert e meu pentavô Nicolaas Straatmeijer jamais se conheceram, mas estiveram vivos ao mesmo tempo por uns poucos dias. E ninguém jamais saberia disso não fosse pela invenção da internet e a curiosidade besta de um carioca entediado em pleno século XXI (eu).