O cara do chapéu
Deu vontade de contar como eu me tornei parte da história de uma banda holandesa de rock psicodélico dos anos 70.
Quem me conhece há algum tempo sabe da minha obsessão por meus antepassados holandeses. E em 2005 eu já estava nessa, digamos, vibe. Naquela época eu não tinha acesso a arquivos digitalizados para fazer pesquisa genealógica, então me contentava com coisas da Holanda mesmo.
Foi por este motivo que, naquele ano, pesquisando outra coisa no Soulseek, eu encontrei uma banda holandesa e decidi baixar para ver como era. Ela era descrita como “psychedelic fok rock dutch band” ou algo assim.
Seu nome era OPMC.
Havia apenas um disco disponível para download, chamado Amalgamation. Lembro direitinho de ouvir a primeira música e ficar embasbacado. Desenvolvi uma obsessão. De repente eu, um brasileiro de 25 anos, era fã de uma banda holandesa dos anos 70 sobre a qual não sabia nada.
Depois de muito pesquisar descobri que os membros da banda eram Barrie Webb e Teun Van der Slikke. E que a capa do disco, de 1970, era assim:
Descobri também que havia um segundo disco, chamado Product of Pisces and Capricorn, e que era impossível achá-lo online.
Eu passei boa parte de 2005 e 2006 ouvindo as dez músicas do Amalgamation no repeat. Tudo registrado no meu perfil no Last.fm. E a história poderia ter terminado aí, não fosse por uma mensagem que recebi no final de 2007, no próprio Last.fm, com o assunto “OPMC”.
“Oi, desculpe incomodar, mas vi que você tem escutado OPMC à beça. Esta é a antiga banda do meu pai e estou procurando mp3 dela. Você tem?”
Como eu logo descobri, eu tinha acabado de receber uma mensagem da filha de Teun van der Slikke. E, sim, claro que eu tinha mp3. Fiquei emocionado e comecei a trocar mensagens com ela. Eu tinha muitas perguntas a fazer e ela foi muito gentil em encaminhá-las para o pai.
Foi assim que eu comecei a descobrir a história da banda, contada por um dos seus integrantes: Barrie era escocês e conheceu Teun em um folkclub em Amsterdam, em 1968. Lá eles tocaram muito com Garry Rafferty (igualmente escocês e conhecido pelo hit Baker Street e também pela banda Stealers Wheel, que ficou especialmente famosa por causa desta cena do filme Cães de Aluguel — contém cenas fortes).
Barrie e Teun venceram vários festivais de folk na Holanda e na Alemanha e no início de 1970 gravaram Amalgamation. Eles contaram com a ajuda de Herman Herbé, que logo deixou a banda, e no fim de 1970 gravaram o segundo disco, com músicos contratados.
Eles não gravaram mais nada mas continuaram fazendo shows e tocando com músicos como Leendert Busch e David Oliphant (ambos ex-integrantes da cultuada The Outsiders).
OPMC durou até 1976, quando Barrie e Teun perderam contato. Eles se encontravam de vez em quando, pois Barrie virou artista de rua em Amsterdam. A filha de Teun me contou que embora o pai não tocasse mais profissionalmente, ele continuava tocando e compondo todos os dias. E que ele ficava muito honrado em saber que pessoas ainda ouviam a música dele depois de todos aqueles anos.
(Sim, eu, o brasileiro louco).
Por uma bizarra coincidência, logo depois de saber essa história eu encontrei mp3 do raríssimo segundo disco da banda e mandei para ela. (Foi uma semana muito intensa).
Pois bem, mas não foi assim que eu entrei para a história da banda. Isso só aconteceu dois anos depois, em 2009. Eu tinha o hábito de procurar por OPMC no YouTube, na esperança de algum fã maluco ter filmado um show deles nos anos 70. E numa dessas ocasiões eu encontrei alguém postando músicas da carreira solo do Barrie Webb (que eu nem sabia que existia). Inéditas.
Era a última peça do quebra-cabeças que eu nem sabia que estava montando: a filha de Barrie Webb estava postando as músicas no YouTube. Comecei a viajar com a possibilidade de reunir o OPMC mais de trinta anos depois e acabei entrando em contato com ela.
A filha de Barrie Webb ficou muito feliz de saber que eu tinha contato com Teun e família. Porém, tinha uma notícia triste: Barrie tinha morrido de câncer em 2006.
Dei meus pêsames a ela, e perguntei se ela queria que eu entrasse em contato com Teun. Ela disse que sim, e me preparei para isso. Eu não sabia muito bem como dar a notícia, mas acabei mandando uma mensagem para a filha do Teun, após quase dois anos sem nos falarmos.
No fim das contas, eu acabei sendo o responsável por comunicar Teun da morte do parceiro de banda, uma vez que ele não fazia a menor idéia. Eu, um brasileiro que só foi conhecer as músicas deles 35 anos após serem gravadas, estava dando aquela notícia.
Eles ficaram muito tristes, mas ao mesmo tempo acabei reunindo-os com a filha de Barrie, o que foi positivo. Enquanto isso, eu continuava sempre atrás de informação sobre o OPMC. Afinal, meu contato com Teun era meio indireto. Eu cheguei até a criar uma comunidade no Orkut chamada OPMC, mas ela infelizmente nasceu e morreu com um membro apenas.
Até que surgiu o Facebook e uma das poucas coisas boas que a famigerada rede social me proporcionou: alguém havia criado uma página do OPMC. A página tinha muitas fotos da banda que eu nunca tinha visto. Porque o criador da página era ninguém menos do que o próprio Teun van der Slikke. Decidi pedir para ser seu amigo, e ele prontamente aceitou. Ele sabia quem eu era, afinal de contas.
Quando a minha filha nasceu, em 2012, Teun foi um dos primeiros a me dar parabéns.
Certa vez, num dia dos pais, ele me mandou o vídeo de uma música especial (Danny’s Song, de Loggins & Messina)
Em 2013 eu comecei no Facebook um projeto de tirar uma foto diária da minha filha. Teun curte as fotos todos os dias, até hoje. Eu também sempre curto as fotos do jardim dele, e as fotos dos cachorros e gatos abandonados que ele resgata.
Até que em 2014, uma loja de discos e gravadora de Barcelona, chamada Wah Wah Records, relançou os dois discos do OPMC em vinil. Eles conseguiram as masters com o Teun e o relançamento contou também com a benção da filha de Barrie, com quem ele se reunira graças à minha intervenção. Eu, obviamente, fui um dos primeiros a comprar os discos.
E foi assim que eu passei a fazer parte da história de uma banda holandesa de rock psicodélico dos anos 70.
P.s.: Caso alguém tenha ficado curioso, aqui dá para ouvir o Amalgamation inteiro. E, aqui, o antes raríssimo Product of Pisces and Capricorn, que agora está até no Spotify, como dá para ver nesse link.
P.p.s: Ah, sim, e OPMC significa Oldest Professional Music Company, pois eles moravam no Red Light District de Amsterdam.