O caso das embalagens trocadas

Vitor Dornelles
3 min readApr 1, 2023

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DALL-E 3 + Vitor Dornelles

Aconteceu mais de 20 anos atrás, na Saraiva do Rio Sul. Eu passeava pela seção de CDs quando encontrei o Loaded do Velvet Underground por cerca de 20 reais. Importado. Não titubeei e comprei na hora. Voltei para o carro e botei o disco no CD-player. Ao invés dos primeiros acordes de Who Loves The Sun, começou a tocar uma música completamente desconhecida. Ouvi por alguns segundos até ter certeza: aquilo não era Velvet Underground nem aqui nem na China. Tirei o CD e não deu outra: era um disco do Ry Cooder. Voltei à loja imediatamente, para fazer a troca.

— Oi, eu comprei este disco do Velvet Underground, só que veio com um CD do Ry Cooder dentro.

O vendedor me encarou incrédulo.

— Que estranho.
— Pois é.

Ele abriu a caixa para ver se eu não estava mentindo.

— Pô, mas Ry Cooder é legal.
— Tudo bem, só que eu não paguei por um CD do Ry Cooder, e sim por um do Velvet Underground.

De repente o vendedor teve um estalo.

— Já sei o que pode ter acontecido. Nós colocamos os CDs da loja para tocar como música de fundo. A maioria das pessoas não sabe, mas nós temos uma máquina de plástico de CD aqui para reembalar os que escutamos. Pode ter acontecido isso. Algum vendedor deve ter trocado na hora de reembalar.

Achei a desculpa bastante plausível e aguardei enquanto ele pegava outra cópia do Loaded. Antes que eu fosse embora, no entanto, ele sugeriu que abríssemos o CD para conferir se estava tudo certo.

— Não custa nada, né!, ele disse.

Concordei e abrimos.

E lá estava ele, como que sorrindo para nossas caras aparvalhadas. Outro CD do Ry Cooder.

— Mas não é possível. Como pode?, perguntou-se o vendedor.

Ele chamou um colega para dividir a estupefação.

— Olha só, dois CDs do Ry Cooder no mesmo disco do Velvet Underground!

Aquilo, obviamente, punha por terra a teoria da reembalagem equivocada feita na loja. Um deles teve a idéia de procurar a caixa do CD do Ry Cooder para ver se lá dentro estavam as cópias desaparecidas do Loaded. Abrimos e havia apenas os CDs do Ry Cooder, nada de Velvet Underground.

— Vamos ver se a gravadora é a mesma. Pode ter sido um erro deles, pensou um dos vendedores.

Olhamos no verso dos discos e não, as gravadoras eram completamente diferentes. Assim como os anos de lançamento. Sem contar que o do Velvet era produzido na Europa e do Ry Cooder na Zona Franca de Manaus.

— Meu deus, isso é inexplicável!, disse o primeiro vendedor, aturdido.
— Vamos ver se isso acontece com a outra cópia do Velvet Underground também, sugeri.

Pegamos a terceira — e última — cópia do disco. Abrimos com uma certa apreensão, mas desta vez o Loaded estava lá.

— Menos mal, eu disse.

Saí da loja com a minha cópia certa, deixando os dois vendedores coçando a cabeça e o mistério sem solução.

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Recomendo bastante o Loaded. O solo de Oh! Sweet Nuthin' é sensacional.

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