O mundo acaba lentamente

Vitor Dornelles
2 min readFeb 17, 2022

Em 1996, a Mãe Dináh previu o fim do mundo. Ou, pelo menos, foi esse o boato que se espalhou pelos colégios do Rio de Janeiro na época. Obviamente, o fim do mundo calhou de estar marcado justamente para o meio da minha aula de matemática, num dia relativamente ensolarado.

Eu estava no 2º ano do ensino médio e não exatamente preocupado. Porém, havia uma tensão palpável no ar. Meus colegas (e, ok, eu também) se entreolhavam o tempo todo, esperando o fim do mundo para dali a pouco. Talvez O FIM acontecesse durante uma explicação de trigonometria.

Embora eu não botasse muita fé no fim do mundo, também não me agradava a perspectiva de que uma fórmula de seno e cosseno podia ser a última coisa que eu ia ouvir na vida. Percebendo a agitação da turma, meu professor de matemática, um senhor de certa idade, com netinhos, falou: “Vocês estão esperando o fim do mundo, né?”. Aqui vocês têm que imaginar uma voz muito lenta e anasalada, que pronunciava cada sílaba como se tivesse um ovo na boca. Além de tudo ele falava muito baixo, mas o silêncio era tamanho que pude ouvi-lo perfeitamente.

Não me lembro se alguém respondeu alguma coisa, mas isso não importa. O que importa é que meu professor de matemática baixou o giz no quadro-negro e começou a, digamos, filosofar: “Vocês não precisam se preocupar, mas a verdade é que o mundo acaba todo dia”.

“O meu mundo, por exemplo, já acabou. Vocês vivem num mundo completamente diferente do que eu vivia quando tinha a idade de vocês. As coisas do meu mundo não existem mais, e isso vai acontecer com vocês também. Mas isso não tem data marcada. O mundo vai acabando lentamente”.

Algumas pessoas talvez estivessem dando risadinhas, mas outras escutavam tudo com muita atenção. Eu era uma dessas pessoas. Não era normal nosso professor de matemática falar de coisas que não envolvessem números, então julguei que aquele momento era importante.

Obviamente, Mãe Dináh estava errada. O mundo não acabou naquela manhã de 1996. Ao menos, não para a gente. Mas o meu professor de matemática estava certo. O mundo ia acabar ainda várias e várias vezes depois. E nós não íamos nem perceber.

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