Getúlio Vargas, de óculos e com um charuto na boca, no período em que foi senador

Quando Vargas Sumiu

Vitor Dornelles
5 min readNov 25, 2024

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Texto escrito oginalmente em junho de 2021

Uma coisa muito interessante do terceiro volume da biografia de Getúlio Vargas, do Lira Neto, é aprender algo que, ao menos que eu me lembre, não era ensinado nas escolas: o que aconteceu com o ex-ditador entre o final do Estado Novo, em 1945, e o seu retorno triunfal nas eleições de 1950?

Acho que a maioria das pessoas pensa que ele ficou isolado em São Borja. E, de certa forma, foi isso mesmo, mas é apenas uma parte da história. Primeiro, logo em 1946, Getúlio se elegeu deputado e senador por diversos estados (sim, ao mesmo tempo, por causa da legislação da época).

Acabou tendo que optar por apenas um dos cargos e, se não me engano, virou senador pelo Rio Grande do Sul. Participou, então, da constituinte, já durante o governo Dutra, onde teve uma atuação praticamente nula. Ele era muito hostilizado pelos colegas, por motivos óbvios.

Afinal, aquele era o sujeito que tinha extinguido partidos e fechado o Congresso e o Senado nove anos antes, além de ter outorgado uma constituição de inspiração fascista (apelidada de “Polaca”) na mesma época. Vê-lo participar de uma constituinte devia ser, para dizer o mínimo, irritante.

Getúlio nunca escondeu seu desapreço por constituições que não pudesse controlar totalmente, então se limitou a fazer um discurso no último dia dos trabalhos do Senado em 1946, após o qual foi levado em aclamação nos braços do povo, na saída do Palácio Monroe.

Depois disso, Getúlio passaria quase todo o resto do mandato de licença, enfiado em São Borja. O que não quer dizer que ele estivesse ausente da política nos bastidores. Consta que ele tentou tramar um golpe contra Dutra, seu amigo de muitos anos, com a ajuda de sargentos do exército, o que nunca foi provado.

Embora alguns sargentos tenham sido presos e confessado a intenção do golpe, o caso foi arquivado sem que se conseguisse provar o envolvimento direto do ex-ditador. E talvez ele realmente não tenha participado disso, pois na mesma época estava mais preocupado em fechar o PCB.

Muita gente põe a culpa da proibição do PCB apenas em Dutra, mas Getúlio tinha interesse direto nisso. Com os comunistas de volta à ilegalidade, ele pretendia ampliar as bases do PTB, que, afinal de contas, disputava os mesmíssimos eleitores.

Com o PCB fora do caminho, Getúlio se lançou mais diretamente num teste de popularidade, já pensando se teria condições de disputar a presidência em 1950 (embora, como era de seu feitio, sempre negasse suas intenções): ajudar a eleger o vice-governador de São Paulo.

Naquela época, o vice-governador era eleito numa eleição separada, e Getúlio queria que o candidato de Dutra (e também do governador Ademar de Barros) perdesse. Com este objetivo, percorreu dezenas de cidades do interior paulista, buscando votos para o outro candidato.

Foi um grande desastre. A maioria dos comícios relâmpago terminava em pancadaria, confusão e tiroteio. Por diversas vezes o segurança pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, teve que salvá-lo de situações perigosas. Para piorar, depois deste esforço seu candidato perdeu.

Getúlio sentiu a pancada, e ele realmente pensou em abandonar a política para sempre. Enquanto pedia votos para o candidato a vice-governador, ele frisava que aquilo tinha o valor de um plebiscito pessoal. E no final, os paulistas tinham escolhido Dutra e Ademar.

As coisas começaram a mudar, porém, quando um jovem Leonel Brizola, recém-eleito deputado no Rio Grande do Sul, fez um discurso inflamado afirmando que Getúlio voltaria. Embora Vargas não tivesse a menor intenção de voltar ainda, a “fake news” de Brizola reacendeu a chama varguista.

No Rio, os queremistas (cujo bordão era “Queremos Getúlio”, daí o nome) voltaram a se assanhar. A imprensa, massivamente anti-getulista, entrou em parafuso. E foi então que Alzira, filha de Getúlio e sua principal confidente, viu uma oportunidade.

Ela primeiro precisou convencer o pai da viabilidade da sua candidatura, que estava cada vez mais clara graças ao clamor popular espontâneo. Porém, não seria fácil.

Quando você vê a facilidade com que Getúlio ganhou em 1950, talvez possa pensar que foi moleza. Mas a verdade é que a vitória envolveu muita estratégia. Aliás, é uma lição que talvez possa ser útil para quem ainda sonha com uma terceira via em 2022.

Embora o governo Dutra estivesse num péssimo momento, graças à inflação descontrolada (herdada do Estado Novo, claro) e abalado por greves constantes, ele ainda tinha muitos eleitores, devido à aliança que tinha forjado com a UDN, de quem fora adversário na eleição de 1946.

Getúlio sabia que não podia vencê-los enquanto estivessem unidos, então a primeira providência foi dividi-los. Para atingir este objetivo, ele armou com Alzira e alguns políticos do PTB uma entrevista, que contou também com a participação secreta de membros da própria UDN em sua organização.

O golpe de mestre foi Getúlio elogiar na entrevista o inimigo Eduardo Gomes, da UDN. Foi uma bomba. Levantou-se a dúvida de que o Brigadeiro, que tinha disputado contra Dutra a eleição de 1946 e agora era seu aliado, podia estar se bandeando para o lado de Vargas.

Isto causou um tremendo mal-estar entre o partido de Dutra (PSD) e a UDN, o que acabou levando ao rompimento da aliança. Este era tanto o objetivo de Getúlio quanto dos políticos da UDN que participaram da armação, pois queriam que a UDN tivesse candidato próprio.

Mal sabiam os udenistas que estavam fazendo exatamente o jogo de Vargas. Afinal, a esta altura ele ainda negava qualquer interesse em ser candidato. Com a aliança PSD-UDN fora do caminho, vinha agora o golpe mais ousado de Getúlio e Alzira.

Quando Vargas finalmente se lançou candidato à presidência em 1950, ele não estava presente no anúncio oficial. Quem anunciou sua candidatura para a nação foi ninguém menos do que o corrupto governador de São Paulo, Ademar de Barros, que até então era seu INIMIGO.

Com isso, Getúlio garantia o apoio da maior parte do eleitorado paulista, que adorava Ademar. E pensar que, 18 anos antes, Getúlio estava jogando bombas em cima do estado, e agora seria eleito com a ajuda do seu povo…

Então, resumindo, Getúlio se elegeu primeiro dividindo os votos dos opositores e, depois, se aliando a um inimigo político que era também muito popular. Ele nunca foi um bom presidente, mas é inegável que era um político com talento excepcional.

No fim das contas, o candidato do PSD de Dutra, Cristiano Machado, foi abandonado pelo próprio partido, que apoiou também Vargas contra a UDN e a segunda candidatura de Eduardo Gomes. E foi assim que Getúlio se reelegeu presidente, mesmo depois de ter sido duas vezes ditador.

Além do carisma, havia também toda a lorota do trabalhismo, o verdadeiro responsável pela crise pela qual o país passava. Afinal, durante o Estado Novo, Getúlio tinha quadruplicado o valor do salário mínimo. Não é à toa que era tão popular, e que a inflação veio em seguida.

Embora tenha ganhado, o novo mandato de Getúlio se revelou uma péssima ideia. Afinal, ele nunca tinha sido um bom presidente. Como ditador, podia fazer o que queria sem críticas e abafando qualquer consequência. Mas numa democracia, tendo que lidar com Congresso e opositores…

Ele mostrou que a sua habilidade política não era suficiente para resolver as crises herdadas de Dutra (que por sua vez remontavam à caixa preta que era o Estado Novo). Tudo só fez piorar, e o final foi o mais trágico possível.

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